PEDRO CARNEIRO PEREIRA
Pedro Carneiro Pereira, marcante narrador esportivo da Rádio Guaíba, faleceu em 21 de outubro de 1973, vítima de acidente automobilístico.
A notícia causou imensa comoção. A Rádio Guaíba encerrou ex abrupto sua jornada esportiva, o jogo Internacional x São Paulo foi momentaneamente interrompido e o Estádio Beira-Ri,o compungido, rebimbou longa salva de palmas.
LUTO
Fui apresentado ao luto aos sete anos, quando o avô Abílio morreu. Meu pai passou a vestir preto e a sala de minha avó experimentou longa fase de penumbra. Baixaram-se as cortinas, cobriram-se os móveis, desligou-se o rádio. Inaugurou-se uma fase enjoada, de falas em surdina, risos contidos. O entorno familiar acusava o abalo. Em mim, porém, o mutismo disfarçava certa incompreensão sobre aquilo tudo. Definitivamente, alguma coisa, ali, batia menos em mim em relação à força com que abatia os mais velhos.
Precisaria viver outro tanto para sentir a funda melancolia do luto. Diferente da primeira vez, ela veio de fora, materializada na força que a comunicação social e o futebol alcançavam naquela quadra da existência. Morte de um ídolo. Foi na curva dos meus 14 que o choque da repentina e trágica morte de Pedro Carneiro Pereira varreu ilusões. Sensação de desamparo. Vazio da perda, obsessão da lembrança incômoda, dor na alma.
No início dos 1970, no interior de uma província periférica e fronteiriça como a nossa, ainda às vésperas da massificação televisiva, para uma população com hábitos rarefeitos de leitura, o rádio era, senão a única, a principal fonte de ligação com o mundo circundante. E a Rádio Guaíba a ponta mais avançada desse contato. A vida de fora nos chegava pelo ouvido. Era um universo narrado, contado, distante da técnica da imagem. Todas as coisas tinham a dimensão que nossa experiência interiorana comportava. E um dos grandes desafios estava em decifrar e recriar as transmissões de futebol, versadas em emaranhados de nomes, lugares, situações.
O tom épico, de batalha, próprio desses relatos, facilmente nos levava a concluir que nenhuma das proezas alcançadas pela brava gente gaúcha ultrapassava as façanhas de Grêmio e de Internacional. A par disso, era imensa a identificação com as vozes que contavam tais façanhas.
A cobertura no rádio, até hoje, possui um aspecto muito particular: na chamada comunicação social, em poucas situações, como no futebol, os mediadores ascendem à categoria de astro e ganham espaço no universo afetivo da massa torcedora (e ouvinte), a ponto de se tornarem parte do espetáculo. Àquela altura, a legendária equipe esportiva da Rádio Guaíba tinha em Pedro Carneiro Pereira seu titular e principal narrador.
Sua morte, a 21 de outubro de 1973, ocorreu de forma brutal. Um acidente registrado na pista de Tarumã, em Viamão. Tinha 35 anos e a volúpia de pilotar enterrava ali muitas ilusões de uma legião imensa de ouvintes e admiradores. A Guaíba suspendeu a programação e tocou música sacra durante três dias. Consumi horas calado na frente do rádio e minha imaginação transformou-se num quadro branco, tendo ao fundo um som que não saía do lugar. E lembro bem o tempo que levou para que as Copas do Mundo, os jogos da seleção, os Grenais e todas as decisões voltassem a ter a graça de antes – se é que, de fato, voltaram a tê-la.
Pedro Carneiro Pereira
Começou a atividade de radialista na Clube Metrópole, de Canoas, quando ainda era estudante de Direito, em 1957. Um ano mais tarde, transferiu-se para a Rádio Difusora de Porto Alegre como locutor comercial. Em 1959, quando ingressou na Rádio Guaíba, na função de locutor comercial, vinha de treinar (fora do ar) narrações de jogos nos Estádios do Grêmio e do Renner. Na Guaíba, recebeu a chance de narrar “de verdade”. Aprovado e guindado ao Departamento de Esportes, em pouco tempo assumiu a posição de primeiro narrador e o prêmio de comandar a equipe que cobriu para o Sul do Brasil a Copa da Inglaterra (1966). Advogado e publicitário ocupou funções públicas e dirigiu associações de classe. Presidente da Federação Gaúcha de Automobilismo e do Automóvel Clube do Rio Grande do Sul com destacada posição no automobilismo gaúcho, sendo uma de suas principais figuras dentro e fora das pistas nos anos 1960/70. No rádio, a ascensão de Pedro Pereira coincidiu com o pontificado da Rádio Guaíba, emissora potente fundada em 1957 por Breno Caldas e pertencente à poderosa Companhia Caldas Junior, proprietária dos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde. Ao longo dos anos 1960, com forte investimento em esportes, jornalismo e alta cultura, a Guaíba montou uma equipe que marcaria época como uma das melhores já formadas no rádio brasileiro, onde, além de Pedro Pereira, despontavam outros tantos nomes (uns consagrados, outros em via de consagração) como Milton Jung, Ruy Carlos Osterman, Lauro Quadros, Amir Domingues, Mendes Ribeiro, Candido Norberto, Lauro Hagmann, Adroaldo Streck, Lasier Martins, João Carlos Belmonte, Flávio Alcaraz Gomes, Ataíde Ferreira, Walter Galvani, Leonor de Souza. No auge da carreira, depois da consagrada narração do tricampeonato mundial brasileiro (México 70), Pedro Pereira se envolveu em um acidente na quarta etapa do Campeonato Gaúcho de Turismo, no Autódromo de Tarumã, em Viamão. Na tarde de 21 de outubro de 1973, ao tentar ultrapassar Ivan Iglesias, deu-se o choque e os dois acabaram capotando. O incêndio subsequente impediu os pilotos de escaparem e como os bombeiros não estavam equipados adequadamente, ambos morreram. Casado, pai de um filho e duas filhas, Pedro tinha 35 anos. Foi das maiores consternações públicas havidas no Rio Grande do Sul.